Desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, não se pode falar, no Brasil, ao menos em teoria, em cidadãos com direitos menores ou oferecimento de oportunidades e serviços só para alguns, incluindo aqui os direitos humanos das pessoas com deficiência.
As especificidades das pessoas com deficiência são muitas vezes “invisíveis” para os planejadores, arquitetos, urbanistas e para a maioria da sociedade, que por ausência de convívio ou porque as pessoas com deficiência ficam “presas” dentro de casa e, portanto não são vistas pela comunidade, deixando de ser reconhecidas como parte dela.
Como não foram incluídas como parte da comunidade perdem o “direito” de ter acesso a bens e serviços. O problema de falta de acesso deixa de ser prioritário para uma solução coletiva, sendo transferido para a própria pessoa a responsabilidade de solucioná-lo, mesmo que esse segmento da população seja equivalente a 14,5% da população brasileira, de acordo com o Censo Demográfico de 2000.
Particularmente para as pessoas com deficiência, a acessibilidade é um dos itens de maior importância para o pleno respeito a suas individualidades, uma vez que a deficiência é só mais uma característica de muitos seres humanos.
A ausência de acessibilidade reforça preconceitos e, em muitos casos, transfere a “deficiência” do ambiente para a pessoa, como se o problema fosse à presença daquela pessoa e não a escada ou a porta estreita ou todas as demais barreiras existentes.
Não se pode falar hoje em cidades que não abriguem a diversidade. Logicamente, pela dinâmica urbana, a cidade, como lugar de vários acontecimentos, está em constante modificação pela influência dos habitantes que ali vivem. Sabe-se que as cidades são formadas e habitadas por diferentes pessoas, sendo constantemente (re)construídas em uma constante luta para que abrigue as diferenças e as contradições entre todos os indivíduos.
Nessa ótica, está incluída a importância da acessibilidade para as pessoas com deficiência, que também habitam a cidade e utilizam o espaço urbano para suas atividades diárias, como todos os cidadãos.
Importante reforçar que o espaço da cidade precisa ser entendido tanto como condição material, quanto imaterial, que abriga as questões culturais e as atitudes da população, além da diversidade humana e das diferentes práticas espaciais.
A legislação brasileira, em todos os níveis — federal, estadual e municipal — anuncia uma intensa proteção para as pessoas com deficiência e, se dependesse apenas da lei, o Brasil seria um país perfeito, sem grandes desigualdades sociais, regionais, econômicas e urbanísticas, no que se refere à acessibilidade.
No entanto, é óbvio que a lei, por si só, não resolve muitos dos aspectos práticos que envolvem o convívio de todos, ou seja, há um distanciamento entre a previsão legal e a vida dos cidadãos e, para as pessoas com deficiência, esses desencontros são, muitas vezes, fatores de exclusão.
Diversas dessas dificuldades práticas têm relação com questões políticas, ideológicas e de (re)organização do espaço, sendo que muitas poderiam ser resolvidas com vontade política e gestão, concretizada por políticas públicas, de uma cidade para todos.
Lutamos para que a inclusão seja a tônica da democracia e que todas as pessoas sejam respeitadas em suas diferenças, onde quer que se encontrem, independentemente de qualquer deficiência, pois a acessibilidade, mais que um dever, pode facilitar a dignidade humana, a qualidade de vida e o exercício da cidadania no cotidiano das cidades.
É fato que, por determinação constitucional, as pessoas com deficiência são cidadãs e precisam de acessibilidade ao espaço, para terem qualidade, dignidade e independência em suas vidas. Essa cidadania, apesar de ser óbvia e também de estar em consonância com a lei, muitas vezes, é desrespeitada, por exemplo, por falta de acesso e/ou existência de barreiras diversas, como as arquitetônicas, as culturais, as econômicas, as atitudinais, entre outras.
Mesmo com todas as barreiras encontradas e com muitas ausências de aplicação da lei, as pessoas com deficiência vivem nesses espaços e constroem estratégias para exercer sua cidadania. Este assunto não interessa apenas às pessoas com deficiência, pois a acessibilidade facilita a vida de toda a coletividade, uma vez que a idéia principal é que todos possam utilizar e usufruir os serviços e oportunidades disponibilizadas para a população, sem que barreiras interfiram no processo e que excluam pessoas.
Exemplo: quem, a não ser o/a incorporador/a imobiliário ou o/a construtor/a, prefere um banheiro apertado, ao invés de um com maior espaço interno?
Existem necessidades específicas para as pessoas com deficiência, mas a existência de dispositivos de acessibilidade facilita a vida de todos os habitantes de uma cidade, posto que todos podem utilizá-los e, realmente, os utilizam, sem que, muitas vezes, tenham conhecimento deste fato. Um exemplo disso é o sinal sonoro em elevadores, inicialmente necessário para que as pessoas com deficiência visual soubessem que ele estava naquele andar, que passou a servir também como alerta para todas as pessoas que o utilizam. Ou seja, garantir que a acessibilidade seja uma constante nas cidades significa torná-las mais humanas e diretamente construídas para as pessoas, visto que isto está intimamente ligado ao conceito de dignidade e de qualidade de vida.
Fonte: Ana Paula Crosara de Resende Advogada, reside em Uberlândia, Ministra Aulas em Cursos de Extensão e de Especialização. Responsável pelo Quadro Semanal “De Igual para Igual”, as terças-feiras, das 11h às 12h, na Rádio Universitária da Universidade Federal de Uberlândia. O quadro faz parte do Programa “Trocando em Miúdos”, um jornalístico de entrevistas e debates sobre assuntos da atualidade e de interesse da comunidade. Site da Rádio: http://www.universitariafm.ufu.br/ e sua freqüência é 107, 5 MHz