domingo, 25 de setembro de 2011

Carta de Apoio de Dermeval Saviani

DOMINGO, 25 DE SETEMBRO DE 2011

De fato, é inaceitável essa posição do Ministério Público. Realçando o paradoxo, cabe dizer que é injusta a decisão da Justiça que declarou ilegal a greve dos professores estaduais de Minas Gerais. Na verdade, uma iniciativa como essa, vinda do Ministério Público, constitui uma inversão da função própria desse órgão que é “a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis” e o “zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Constituição”. Assim, nessa situação específica da greve dos professores públicos de Minas, cabe inequivocamente ao Ministério Público denunciar o Poder Público, no caso o governo do estado de Minas Gerais, obrigando-o a cumprir as determinações da Constituição e da legislação complementar em atendimento às legítimas reivindicações dos professores. No entanto, em lugar de exercer essa função que lhe é própria relativa ao respeito do governo estadual pelos direitos sociais e individuais dos professores e da população mineira a uma educação pública de qualidade, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ao declarar ilegal a greve, volta-se contra os direitos dos professores e protege a ilegalidade da posição intransigente do governo que se recusa a reconhecer a legitimidade das reivindicações dos professores. E foi exatamente essa intransigência governamental que obrigou a categoria docente a recorrer à greve no exercício desse outro direito que também lhe assegura a Constituição.
Enfim, creio ser pertinente reiterar aqui a conclusão de minha fala no “Painel 4 – Educação”, integrante do Evento “A luta pelos direitos sociais: conquistas e novos desafios - 20 anos de Constituição Cidadã 1988 – 2008” realizado na UNICAMP no dia 8 de outubro de 2008:
Se a educação é direito público subjetivo passível, portanto, de mandado de injunção e se o não atendimento desse direito importa na responsabilização da autoridade competente, então a área jurídica, de modo geral, e o Ministério Público, em particular, tem muito trabalho pela frente à vista do objetivo de efetivar, de modo universal, o direito à educação no Brasil. Se o Ministério Público assumisse à risca os preceitos constitucionais, os tribunais estariam entulhados de mandados de injunção e a maioria das autoridades já estaria no banco dos réus.

Dermeval Saviani,
Professor Emérito da UNICAMP e Pesquisador Emérito do CNPq.

A humilhação dos professores em Minas Gerais

sexta-feira, 23 de setembro de 2011



Lúcio Alves de Barros*

A greve dos professores de Minas Gerais que se arrasta por mais de 108 dias, além de grave já se tornou inaceitável. A leviandade, a irresponsabilidade e a despolitização do debate levada a efeito pelo Governo Anastasia (PSDB) criaram condições que são no mínimo humilhantes, cansativas, vexatórias e sérias para os professores, estudantes e pais. Digo professores porque estou falando de uma categoria que, por natureza, trabalha com a interação e cujo resultado é a formação do outro, sempre estranho e, por vezes hostil. Levanto, neste caso, três questões que não tarde produzirão efeitos perversos de grandes dimensões.
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Em primeiro vale dizer do “jogo de palavras”: o governo diz que já paga o famoso piso salarial aos docentes. Os professores mais de uma vez, tal como fizeram os policiais em 1997, mostraram (até rasgaram) contracheques, falaram em jornais, televisão, blogs, sentaram-se à mesa e mostraram que não recebiam o piso (Lei 11.738, de 2008, que exige o pagamento do piso de R$ 1.187,97) fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O governo Anastasia simplesmente chamou os professores de mentirosos. Se é possível ser um bom professor sendo mentiroso e recebendo mais ou menos dois salários, ou não estamos no Brasil ou muitos acreditam na fala do governo. E é óbvio que não teríamos professores pesquisando nas universidades federais e estaduais. Além de chamar os docentes de mentirosos, o governo simplesmente tratou de deslegitimar, degradar, deteriorar e jogou ao chão a categoria que, para os tucanos, além de pedintes não sabem negociar. Essa humilhação dos mestres não vai sair impune. Todos nós vamos pagar amargamente e, sinceramente, não vejo o por que de toda retórica em torno da “educação como liberdade” ou “direito”, haja vista que o próprio governo já decretou o seu fim.
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A segunda questão diz respeito à truculência, vigilância, crueldade e intransigência governamental. Além do recurso ostensivo de vigiar quem não tem nada a esconder, o governador e seus avatares armaram os policiais e bateram forte nos professores. A situação é e foi humilhante. Presenciei professores correndo como galinhas, gritando como loucos, chorando como irmãs de caridade e apanhando como ladrões em porta de viatura. Não era preciso todo aquele aparato na praça docemente chamada de “Liberdade”. Foi um exagero sem fim. O efeito perverso já é percebido: professores adoecendo, cansados (porque greve é coisa séria), ansiosos, deprimidos, ressentidos e podem esperar um bom tempo de educação em luto e sem significado. O governo foi de encontro a tudo que ensinamos e defendemos junto aos alunos, como a honestidade, a liberdade, o respeito à diferença, à diversidade, ao cuidado com o outro. O governo, definitivamente, esqueceu que a profissão docente é repleta de emoções e que lidamos constantemente com crianças e adolescentes em formação. O governo simplesmente desautorizou os professores e retirou a autoridade política da categoria, tratando-os como “casos de polícia”, marginais em desespero e pobres sofisticados capazes de manter o sacerdócio por mais ou menos dois salários mínimos.
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Em terceiro e último é preciso apontar para outras consequências desse movimento. Alunos atrasados e pais enfurecidos eu acho difícil. Já se sabe que “só se ensina a quem deseja aprender”. Há tempos a comunidade não faz a mínima questão de participar dos rumos da educação e os seus filhos já estão mais do que entupidos de redes de relacionamento na internet e de baladas na calada da noite. Neste sentido, os professores estão solitários em um campo de batalha cujo rei aposta que o “vencedor ficará com as batatas”. Incrível e inacreditável tratar docentes como mecanismos de gestão que podem ser apertados quando as contas começam a ir para obras eleitoreiras. O gastar menos como justificativa não significa apostar os tostões na educação. Não é balela a ideia de que é na educação que se encontra a saída para as pequenas e grandes crises que perpassam, inclusive, países mais civilizados que o nosso. O governo, ao contrário, vem demonstrando com toda sua boniteza que não. Soltou os policiais que ele mesmo forjou nos moldes americanos e decidiu passar por cima do Supremo Tribunal Federal e da organização sindical dos trabalhadores da educação. Na covardia, ainda vem usando o nosso dinheiro na mídia e alardeado que as coisas estão como sempre estiveram. A consequência são professores atônitos, medrosos, enganados, humilhados... Forjamos uma educação com base na violência pura e simples, uma educação que dá vergonha e sem vergonha na cara. E podem esperar como efeito perverso uma categoria triste no trabalho, à deriva nos corredores escolares e, por ressonância, estudantes enfurecidos, pais amargurados e um governo ainda contente.
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*- Professor da FAE/BH/UEMG, do curso de mestrado profissional da FEAD e doutor em Ciências Humanas: sociologia e política pela UFMG.

Fonte :http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com/2011/09/humilhacao-dos-professores-em-minas.html