terça-feira, 17 de novembro de 2009

A INVENÇÃO DA INFÂNCIA

Criança e infância parecem sinônimos. E assim deveria ser. Mas, infelizmente, não é... Na realidade, o que entendemos por infância é um conceito de felicidade, criado na época do Renascimento, no início da Idade Moderna (entre o final do século XV e o século XVI). Surgido num período de pujança, crescimento, confiança, crença na humanidade e em suas possibilidades.

Ao mesmo tempo em que floresciam as obras de Shakespeare, Galileu, Da Vinci, Cervantes e Hobbes – a revolucionar a ciência, a arte, a literatura, a filosofia e o conhecimento em geral, também estava no nascedouro a ideia de infância.

E o que seria esta infância senão o momento em que nossos meninos e meninas cresceriam brincando, aprendendo, convivendo, partilhando, rindo e chorando? Pois era esta concepção que surgia. As crianças poderiam inventar brincadeiras e brinquedos, teriam tempo para conhecer os livros e as histórias mais incríveis, correriam livres pelos campos e ruas a chutar lata ou o que encontrassem pela frente...

Um pouco mais para frente no tempo, já na época das revoluções burguesas, surgia a ideia da educação pública, direito universal adquirido por todo e qualquer cidadão, o que aprimorava o conceito anterior de infância porque concedia real acesso ao conhecimento por parte das crianças.

Mas mesmo assim, com ideias sendo consagradas por pensadores e celebradas em leis, a realidade se manteve afastada daquilo que se previa no papel. O preto no branco não garantia a infância para todas as crianças. Ainda era grande a quantidade de infantes que não frequentava escolas. Também abundavam os menores que ao invés de brincarem tinham que trabalhar nos campos, nas oficinas, no comércio...

E o que esperar então quando chegamos ao século XX, com todos os seus avanços sociais, políticos, econômicos e culturais? Não seria natural que com o advento de tantas facilidades a partir deste momento da história humana realmente se configurasse o encontro definitivo e universal das crianças com a infância?

Ainda assim não se pode afirmar categoricamente que toda criança vive a infância como deveria, com a felicidade de quem pode brincar de boneca ou chutar bola, estar numa sala de aula, alimentar-se dignamente, não ser obrigada a quebrar pedra ou cortar cana... Que infância é esta?

É claro que o mundo em que vivemos, que já transitou do século XX para o terceiro milênio tem milhões de crianças que de algum modo vivem a infância sonhada, senão totalmente, pelo menos de forma parcial... São os filhos de famílias que conseguem dar-lhes o acesso à escola, aos brinquedos, às amizades, aos livros, aos passeios...

Mas mesmo estas crianças sentem o peso da modernidade... Do relógio a oprimir o seu viver... Com os tique-taques a lhes dirigir os passos, definindo uma série de compromissos para que seu futuro seja melhor... Ou ainda, mesmo que crianças de corpo, mente e alma, compelidas pelos meios de comunicação a agir e pensar como adultos... Que infância é esta?

A Invenção da Infância propõe ao espectador uma reflexão sobre o que significa ser criança no mundo contemporâneo. Partindo do princípio de que nem toda criança tem infância, o filme mostra como o conceito de infância, enquanto sinônimo de inocência e fragilidade, começou a ser construído entre os séculos XVI e XVII, a partir das conquistas do pensamento humanista. Ao entrevistar crianças em três estados do Brasil - país descoberto na mesma época em que a Europa inventava a infância - a diretora Lilian Sulzbach revela que ao final do século XX a infância ideal sonhada pelos homens da Renascença está duplamente ameaçada. No interior do nordeste, crianças trabalham em canaviais, plantações de sisal e pedreiras em troca de comida ou de alguns poucos centavos. Ao mesmo tempo, em algumas metrópoles com seus shopping-centers escolas de elite e bairros nobres, o sonho de uma infância livre de trabalho e preocupações é substituído por uma extenuante rotina de atividades de preparação para a competitiva vida adulta. Para além das injustas condições econômicas que separam essas crianças, o advento de uma cultura essencialmente audiovisual - que permite a adultos e crianças terem acesso ao mesmo tipo de informação - e a perversão de valores de uma sociedade consumista e narcísea iguala a todos, arrancando a sua inocência de forma definitiva e irreversível.

Por Adão Maximo Trindade, graduando em Pedagogia - UFOP, que foi criança, que teve infância, subindo em árvores, chutando bola, brincando de carrinho e que, por conta disto, fica muito sensibilizado e revoltado em ver como as crianças não têm direito e espaço para brincar, estudar...